Quem a violência feriu hoje?
Por:
Thamyres Pontes, Yasmim Dias e Wolff Licurgo
Andressa Ribeiro, 22 anos, vítima de
relacionamento
abusivo (Foto: Arquivo pessoal)
No
Brasil, a cada hora,503 mulheres são vítimas de violência. Esses números só
crescem, e com o passar dos anos, se tornaram alarmantes. No ano passado, 22%
das mulheres brasileiras sofreram ofensa verbal, 10% foram ameaçadas de
violência física, 8% foram ofendidas sexualmente, 4% receberam ameaça com faca ou
arma de fogo, 3% sofreram espancamento ou tentativa de estrangulamento e 1%
levou ao menos um tiro.
O
que muitos não sabem, é que, para que o ato seja caracterizado como violência,
não precisa ser, somente físico. A violência psicológica, pode-se dizer, que é
a que mais marca a vida de uma mulher. Quando uma pessoa leva um tapa, horas
depois já não dói mais. Já a pressão psicológica, deixa marcas que talvez, seja
necessária, uma vida inteira para apagar.
Andressa
Ribeiro, 22 anos, teve um relacionamento abusivo. Seu relacionamento começou
quando tinha 15 anos, e durou cerca de três anos. Ela conta que no início do
namoro, tinha um bom namorado, ele era muito amigo, companheiro e carinhoso.
Mas com o passar do tempo, ele mudou e as coisas começaram a se agravar.
Ela
relata que era cheia de proibições impostas pelo namorado, não podia usar a
roupa que queria, nem sair para o lugar que quisesse e, além disso, não podia conversar
com as pessoas. Antes das agressões físicas, Andressa conta que foi torturada
psicologicamente e que sob pressão já chegou a pular de um carro em movimento
para se livrar do agressor “Ele descontava seus problemas me torturando,
qualquer coisa era motivo para eu ser agredida”, diz ela.
Antes
das agressões se intensificarem, quando se irritava com ela, ele começava a
quebrar objetos, arremessando-os contra a parede, chegando até a rasgar suas
roupas. Andressa revela que ele era abusivo quando ela não queria ter relações
sexuais. Ele a obrigava e ela se sentia sendo estuprada “Era horrível, eu me
sentia um lixo”, conta, emocionada.
Por
conta do local onde trabalhava, dentro de uma comunidade, seu namorado começou
a ter envolvimento com o tráfico de drogas. E em uma das brigas, ele a levou
para o alto do morro e a espancou “Ele dizia que ia me matar, e que ninguém ia
ouvir”, relata, chorando.
Andressa Ribeiro (Foto: Arquivo pessoal)
Além
da ameaça de morte que sofreu, sua família não ficou impune. O agressor chegou
a ir armado na casa do pai dela, onde ela estava escondida, e ameaçou toda a
família de morte.
Outro
episódio descrito por Andressa, foi na casa de seu agressor; o mesmo deferiu
socos em seu rosto e seus olhos ficaram bem inchados. Ela conta que não
conseguia terminar definitivamente o relacionamento pois ele sempre chorava,
pedia desculpas, pedia ajuda a ela e dizia que ia mudar. O pai do agressor o
defendia desde criança, e sua própria mãe, tinha medo dele.
Andressa
relata que o agressor era grosseiro com todos. A família pedia para que ela o
ajudasse e ao mesmo tempo pedia para ela tivesse cuidado. Isso fazia ela se
sentir culpada de não poder ajuda-lo.
Ao ser questionada sobre o número de vezes que terminou o relacionamento, ela enfatiza que foram várias vezes. Ela afirma que pensava até em mudar o número de seu celular, porque ele o perturbava.
Ao ser questionada sobre o número de vezes que terminou o relacionamento, ela enfatiza que foram várias vezes. Ela afirma que pensava até em mudar o número de seu celular, porque ele o perturbava.
Depois
de tanto sofrimento, ela resolve ir até a delegacia e denuncia-lo. Mas a
família dele pediu para que ela retirasse a denúncia, alegando que ele queria
fazer um concurso, e pediam a Andressa para não estragar a vida dele. Então,
Andressa retirou a queixa. Ela conta que se arrepende até hoje, mas na hora
ficou com medo de represaria.
Assim
como Andressa, muitas mulheres ainda são vítimas de um relacionamento abusivo.
Muitas vezes, a própria mulher não consegue perceber que se encontra nessa
situação e se deixa por levar por promessas vazias “Várias vezes eu achei que
ele fosse me matar, mas como ele prometia mudar, eu acreditava”, conta
Andressa.
Por
bastante tempo, Andressa temeu se envolver de novo com alguém, e só assumiu um
novo relacionamento muito tempo depois do ocorrido. Ela diz que hoje, tem um
cuidado maior ao entrar em um relacionamento e que sabe separar ciúmes bobo de
possessivo.
Depois
de tudo que viveu, hoje, Andressa aconselha a todas as mulheres que já passaram
ou estão passando por um relacionamento abusivo, assim como ela, que denunciem
“Não se permita a isso, denuncia, porque assim você não ajuda só a si mesma.
Porque se você se permitir, a tendência é piorar. E de repente, você nem
sobreviva, assim como eu achei que não fosse sobreviver. Quanto mais denúncias
tiverem, mas as pessoas ficam alertas sobre esse assunto”, afirma.
Feminicídio faz mais uma vítima
Cristiane de Assis Dias, 38, era uma professora da rede pública do
Rio de Janeiro, criou duas irmãs, mãe dedicada de três filhos e sempre lutou
por seus sonhos. “Meu relacionamento com a minha irmã era ótimo. Ela, além de
irmã, era uma mãe e amiga para mim. Nunca tivemos problema com nada. De vez em
quando, ela me chamava atenção, mas isso era normal por ser mais velha”, diz
Verônica Dias, 25, irmã de Cristiane, com quem conviveu muito tempo.
Cristiane morou por muitos
anos com um homem e sempre viveu em relacionamento abusivo. “Nas brigas deles,
eu nunca me meti, até porque ele sempre foi muito nervoso, muito ignorante.
Gostava muito de esculachar ela, ofendia muito ela com palavras pesadas. Mas
depois das discussões, eu sempre tentava conversar com ela, falava que ela não
merecia passar por aquilo porque ele era um encostado, sempre foi”, relata a
jovem que presenciou diversas brigas do casal nos anos em que morou com a irmã.
“Nas brigas deles, eu nunca me meti, até
porque ele sempre foi muito nervoso, muito ignorante. Gostava muito de
esculachar ela, ofendia muito ela com palavras pesadas. Mas depois das
discussões, eu sempre tentava conversar com ela, falava que ela não merecia
passar por aquilo porque ele era um encostado, sempre foi”, relata a jovem que
presenciou diversas brigas do casal nos anos em que morou com a irmã.
Cristiane Dias, vítima de relacionamento abusivo. (Foto:
Arquivo pessoal)
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Em 2015, Cristiane se separou após anos de humilhação e depois de uma agressão física na rua e na frente de sua filha mais velha.
Cristiane
foi assassinada dentro de seu apartamento por seu ex-companheiro, um mês após a
separação, pelo fato dele não aceitar o término do relacionamento. Verônica,
junto com o seu filho e os dois filhos de Cristiane, encontraram o corpo no
chão do prédio, já sem vida.
“O
agressor fez questão de ir até a minha casa com as crianças me buscar para me
levar até ela como se nada tivesse acontecido”, conta e diz que custou a
acreditar pois ela nunca esperou que ele pudesse fazer o que fez com os
próprios filhos.
Veronica
descobriu quem foi o assassino de sua irmã na hora do enterro, quando a chamaram
e disseram que ele havia se entregado na madrugada daquele dia. “Quanto a mim,
hoje em dia, nunca mais fui a mesma, vivo de aparência. Ela sempre foi a mais
próxima de mim. De toda a minha família, ela sempre foi por mim. Sofro todos os
dias e é uma dor sem fim” relata Veronica, que diz se sentir muito sozinha após
a partida de Cristiane.
A história de Cristiane e de mais quatro jovens foi
contada no documentário Marias, dirigido por sua filha mais velha, Yasmim Dias,
e produzido pelo Núcleo de Vídeo da Universidade Castelo Branco. O documentário
ainda não foi lançado, mas o teaser já está disponível na plataforma do
YouTube.
A importância do acompanhamento profissional
Vilma
Silva, é psicóloga e psicanalista do Centro de Estudos e Tratamento Psicológico
Saúde Emocional, que trata de casos de agressão doméstica, afirma que os
motivos para um homem ser agressivo são inúmeras. A formação familiar
pode ser uma delas, visto que, isso é decorrente daquilo que o homem recebeu
como experiência na sua infância
A
Psicóloga afirma que as mulheres que se sentem atraídas por esse tipo de homem,
têm uma necessidade de amor, elas necessitam ser amadas a qualquer preço. “Uma
mulher sem essa necessidade, nos primeiros movimentos de agressão, seja uma
agressão verbal, seja ela por uma crise de ciúmes, seja uma agressão física,
por menor que seja; A mulher que está fora desse contexto doentio, dessa
necessidade de amor ela simplesmente não tolera e se retira. Mas a mulher que
necessita de amor, ela simplesmente entende essa forma as vezes possessiva e
agressiva, como ato de demonstração de muito amor”, explica Vilma.
Nos cursos
ministrados por Vilma, ela costuma dizer que no caso dessa doença emocional, só
existem quatro caminhos: a
clínica ou consultório, cadeia ou cemitério. “A doença emocional é progressiva,
isso vai levando a vítima a perder sua liberdade e a vítima acaba ficando
cativa. O primeiro cativo é a mente depois os sentimentos e por último o
físico”, complementa a psicóloga.
O
acompanhamento psicológico tem sua importância, mas a partir do momento que a
vítima quebra o silêncio, mesmo que só compartilhando a história com o
psicólogo, ela vai conseguindo tomar força e coragem para poder tomar as
atitudes necessárias “O acompanhamento vai orientar essa mulher a direcionar
sua vida para sair dessa situação tendo a segurança que vão conseguir se livrar
do seu agressor”, orienta Vilma.
Vilma já tratou inúmeros
casos de agressão, e afirma que quando está no início é mais fácil. A
Psicanalista costuma encaminhar as vítimas para grupos de apoio, que é
essencial para a evolução para a vítima, pois ela conta com ajuda de diversos
profissionais de diversas especialidades.
Apoio
para seguir em frente
Muitas
mulheres vivem situações de violência doméstica por serem reféns de seus
parceiros, principalmente por questões financeiras, por não terem para onde ir
e não ter quem as ajude. Poucas pessoas sabem, mas existem sim lugares onde
mulheres podem buscar ajuda e ir em busca de uma vida melhor.
A
ONG RioSolidário, constituída em 13 de março de 1995, tem como principais
atividades o desenvolvimento de projetos voltados
para crianças e jovens que se encontram em situação de vulnerabilidade social,
mulheres vítimas de violência doméstica e autonomia das pessoas com
deficiência. “Para atuar de forma efetiva, a ONG aposta no poder das parcerias,
buscando unir esforços do Estado, da sociedade civil e da iniciativa
privada para o desenvolvimento desse projeto de
responsabilidade social, que contribuam com a redução das desigualdades e a
construção da cidadania”, diz Sueli Ferreira, diretora da Casa Abrigo Lar da
Mulher, o projeto criado pela ONG RioSolidário para atender mulheres vítimas de
violência.
O projeto Casa
Abrigo Lar da Mulher foi criado em 2007 com o objetivo de interromper a
violência doméstica, garantindo à mulher e seus filhos, menores de 18 anos,
condições de proteção e promoção de cidadania como parte do processo de
formulação e implementação de uma política de segurança da mulher. Sueli diz
que a Casa Abrigo é um local seguro que oferece abrigo protegido e atendimento
integral às mulheres em situação de risco de morte iminente, em razão de
violência doméstica. “É um serviço de caráter sigiloso e temporário, funciona
24 horas, com capacidade para abrigar 60 pessoas,
entre mulheres e crianças, onde as residentes poderão permanecer por um período
médio de 04 meses, durante o qual deverão reunir condições necessárias para
retomar o curso de suas vidas. O espaço conta com equipe técnica
composta por assistentes sociais, psicóloga e pedagoga”, complementa Sueli.
A
Casa Abrigo recebe mulheres 24 horas por dia e são encaminhadas Centros de
Atendimento à Mulher ou pela CEJUVIDA (Central Judiciária de Abrigamento Provisório da Mulher Vítima de
Violência de Doméstica). A CEJUVIDA
foi criada pelo Ato Executivo nº 2610/2010 da
Presidência do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, para dar apoio e
auxílio às mulheres e seus filhos menores vítimas de violência doméstica e
familiar quando em situação de grave ameaça ou risco. Integrada ao Plantão
Judiciário, a CEJUVIDA foi concebida para servir como um núcleo integrado de
apoio aos Juízes competentes e aos Delegados de Polícia, que fora do horário
forense, precisam garantir o encaminhamento emergencial seguro e rápido de
mulheres e seus filhos menores às casas-abrigo.
Para buscar
ajuda, basta comparecer ao endereço ou ligar para os números
(Foto:
Divulgação/www.tjrj.jus.br/cejuvida)
A
Casa Abrigo presta todos os tipos de serviços para que as mulheres e seus
filhos tenham a oportunidade de continuar suas vidas de forma digna, entre eles
o serviço judiciário. “A Casa Abrigo mantém a parceria com a Instituição
Encaminhadora para garantir junto aos seus órgãos competentes que todas as
necessidades pertinentes ao caso sejam atendidas e continuadas” diz Sueli
completando que, como recebem mulheres de todos os municípios Rio de Janeiro e,
geralmente, as demandas jurídicas são oriundas do município de origem de cada
uma delas.
Ao
ser questionada pelo período de quatro meses em que as mulheres podem ficar na
Casa Abrigo, Sueli diz que não há um período em que elas podem ficar abrigadas
e que esse período é apenas um período médio de atendimento. “Os casos são avaliados individualmente e o
desligamento só acontece quando a mulher está fortalecida e com possibilidade
de acolhimento seguro por sua rede familiar, social ou aluguel de espaço
próprio, fora da sua área de risco”, completa a diretora que também diz que as
mulheres são acompanhadas para verificação de suas condições pós-abrigo por
seis meses, contando a data de seu desligamento
A
Casa Abrigo Lar da Mulher já recebeu cerca de 740 mulheres, de faixa etária
entre 20 e 35 anos, e 1184 crianças desde o início de suas atividades. Para
mais informações sobre o projeto Casa Abrigo Lar da Mulher e de outros projetos
da RioSolidário, entre no site
da ONG ou pelo telefone (21) 2334-3910.
Mulheres
confeccionam decoração para o tradicional baile de carnaval do espaço.
(Foto:
André Gomes de Melo/www.riosolidario.org)
Matéria maravilhosa, muito bem apurada, com exemplos, fontes, personagens. Tema mais que importante. No início tem um erro de concordância: "4% recebeu ameaça com faca ou arma de fogo" (receberam) Adorei a pesquisa, a forma como os temas foram conduzidos e organizados na matéria. Muito boa. Nota: 10
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