OS DESAFIOS DE VIVER DA ARTE


OS DESAFIOS DE VIVER DA ARTE

Ser artista no Brasil requer escolhas... Ou renúncias

Foto reprodução


 Por Joyce Salina e Daiane Raposo

O caminho para chegar aonde se sonha não é nem um pouco fácil. Escolher viver dos palcos não te dá garantias. Já que  a arte não é culturalmente valorizada no Brasil, os espetáculos não recebem o retorno financeiro imediato para suprir o custo de vida dos artistas independentes e das pequenas cias teatrais. Essa carência financeira faz com que esses profissionais tenham uma jornada de trabalho muito intensa para dar conta de suas despesas e seguirem suas carreiras. Existem inúmeros motivos para a desistência, a insegurança no mercado, é um exemplo. Não porque esse sonho é pequeno, mas sim devido as cobranças da vida. O meio artístico ainda está longe de ser financeiramente seguro.


O que não falta são bons espetáculos, com bons artistas, e há uma população carente desse conteúdo. O Rio de Janeiro possui lonas culturais, SESCS e teatros municipais com ingressos a preços populares em algumas peças, porém a população mais pobre não comparece. O que nos leva a indagar  o real motivo para atrações em áreas nobres atingirem mais espectadores. Talvez a educação recebida referente a valorização da arte seja a resposta. Poucas pessoas de classes mais baixas estão abertas para esse mundo lúdico, pois a realidade não permite ver a vida de outra perspectiva. Os eventos gratuitos realizados através das escolas de teatro dentro das comunidades que montam diversos espetáculos voltados para os moradores, mesmo sendo de graça, não alcançam o público alvo. Ainda que  os envolvidos sejam  atores do próprio local o resultado fica aquém do esperado, pouquíssimas pessoas aparecem.


Os investimento do Governo Federal na cultura brasileira ocupam cerca de 4 e 6% do PIB Nacional.  Em geral, a população que acaba por usufruir desse investimento vem de classes mais altas. É necessário investir tanto em cultura quanto na educação  para que essa população utilize ao máximo os recursos. Fabio Almeida Mateus, Diretor do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio de Janeiro-SATED/RJ, acredita que uma saída para a situação de escassez de recursos para a cultura seria o investimento da iniciativa privada nas áreas periféricas. A arte na nossa cultura, em geral, ainda é muito desprestigiada.


De Artes Cênicas para Publicidade e Propaganda


Maluco beleza, hoje Caíque Tavares atua como Analista de Relacionamentos. 
De um lado, temos os que fizeram de tudo, mas que em um determinado momento pereceram por conta de questões financeiras que muitas vezes não se adequam a vida artística. Caíque Tavares, 25 anos, foi apresentado às artes cênicas aos 15 anos, mas se viu entre a cruz e a espada quando as responsabilidades começaram a surgir. Caíque ressalta que quando estamos em processo de mudanças é normal passarmos por momentos de indecisão, já que a pressão de escolher uma profissão vem cedo demais e muitas vezes os jovens não tem amadurecimento para a decisão.
“Isso teve um peso muito grande no meu caminho profissional na arte e no meio corporativo. Os pesos dessas decisões podem definir o futuro. Aos 18 anos, há muitas incertezas e ao mesmo tempo deseja-se um futuro confortável, principalmente quando não foi fácil crescer em uma realidade onde tudo se torna mais difícil”, conta o jovem, que hoje é Analista de Relacionamento e formado em Publicidade e Propaganda.

Foi quando conseguiu uma vaga para entrar na universidade que sua vida artística tomou um rumo diferente. Durante um tempo, conseguiu conciliar as duas atividades, até que as dificuldades financeiras aumentaram. “Quanto mais o tempo passava, mais difícil era viver de paixão. Até que a possibilidade de um futuro corporativo se tornou mais alcançável”, disse o publicitário.

Com os anos que viveu no teatro, pôde perceber as dificuldades de permanecer nesse meio, onde teve contato com diversos profissionais excelentes, que mesmo com a capacidade para brilharem, se destacaram de maneira bem humilde e, na maioria das vezes, sem o retorno financeiro ou sucesso que mereciam.



CRIAÇÃO X CRÍTICAS


Para falar da arte é preciso falar de criação. Neste contexto, a criação é o gatilho inicial que vai dimensionar todo o trabalho artístico, seguida da execução. Todo esse processo é desgastante e, ainda assim, os artistas se dedicam para que o resultado seja positivo. Caíque conta que com certa frequência as críticas são cruéis e que em um meio competitivo o ego fala muito mais alto e que quando recebem esse retorno é difícil manter o ânimo. Já cheguei a pensar que quanto mais esforço eu fazia, mais longe eu ficava de ter o reconhecimento que eu achava que merecia. As críticas pesadas me deixavam cada vez mais longe. Muitas vezes eu me via em meio a um bloqueio criativo”, diz.


Sobre os planos no mundo artístico, Caique acredita que hoje em dia conseguiria conciliar a arte com a vida corporativa, mas de uma forma diferente, já que, segundo ele, quem é artista nunca deixa de ser. “Hoje, não estou em cima de um palco, mas sempre que eu tenho a oportunidade de criar, interpretar e agir de alguma maneira artística me sinto muito feliz”, declara. A forma que o jovem encontrou de viver essa paixão foi de adaptá-la ao um novo contexto, hoje ele tenta canalizar a arte para a fotografia. Ainda é um projeto em andamento, pois dominar todas as técnicas fotográficas  é tão difícil quanto o processo da interpretação.


As cortinas se fecharam, as luzes apagaram, mas de alguma forma o espetáculo tem que continuar! “A inquietude da criatividade é um elemento do artista que é difícil de ser calado.” finaliza.



Artista assume mais de um personagem na vida real


Everton interpreta Duque em "Cabaret Rouge".
A vida imitando a arte é algo comum de acontecer e com Everton Rodrigues, 28 anos, não podia ser de outra maneira. Inserido desde cedo na vida artística, desenvolveu habilidades para ser um profissional completo. Estudante de Ciências Biológicas, é técnico de laboratório científico e diretor administrativo da Cia Teatral Sifuxipá, onde é fundador desde 2011 da cia com amigos. O jovem começou no teatro em 2008 e conta que a princípio tudo não passava de uma curiosidade, onde aproveitava para ocupar as manhãs de sábado. Foi quando ficou 6 meses fora do curso que percebeu que aquele hobby era mais importante do que preencher as horas vagas.


Sobre as dificuldades encontradas no mundo artístico, Everton diz: “Essa falta de recursos, de investimento, creio que é a maior dificuldade dentro da arte. Existem leis, projetos para cultura sim, mas quem são ‘prestigiados’ são grupos grandes e famosos, que muita das vezes já possuem patrocínio”. Um dos milhares de desafios enfrentados por pequenos grupos é ter que se bancar com o dinheiro dos próprios integrantes, custeando desde a água durante o ensaio até o transporte para cenário em dias de apresentações. Então, muitos artistas improvisam e acabam tendo que encontrar um meio de assegurar suas demandas e desenvolvem um lado empreendedor.

“Nós acabamos nos envolvendo e aprendendo um pouquinho de casa coisa. E em uma Cia de Teatro acabamos fazendo meio que tudo, o que é muito bom, pois quando não temos um técnico de determinada área, sabemos como nos virar”, comenta. Além de atuar, confeccionam seus figurinos, arrumam emprestado ou criam os objetos do cenário, se tornam produção, direção, sonoplastia, técnico de luz e por aí vai.


Como fundador de uma Cia teatral, Everton se vê imerso em um problema que muitos especialistas já vem sinalizando há muito tempo. A falta de atenção das políticas públicas voltadas para a  educação de jovens e crianças para desenvolver  o interesse pelo teatro, música, dança e artes em geral. “É desvalorizada pela sociedade que não é envolvida com arte, é desvalorizada por escolas de ensino fundamental e médio que acham que Artes deve ser uma matéria secundária, utilizada como diversão, como ponto extra, é desvalorizada pelo governo que acredita fielmente que não deve dar recursos para artes de forma geral, que nada influencia na sociedade” , ressalta o ator.

O jovem acredita que o pensamento de desistir deve passar pelo menos uma vez pela cabeça de quem se envolve com arte, devido a tantas barreiras. Essa luta é difícil, mas para ele, no final, é recompensador e gratificante ver nascer um trabalho que tanto suou para realizar.  


ARTE X CIÊNCIA



Everton desenvolvendo projeto científico na Fiocruz
Se conciliar duas tarefas na mesma área já é complicado, se tratando de duas áreas divergentes pode ser ainda mais. Porém, para o futuro biólogo, se souber organizar os horários, dá sim para adaptar-se. “Minha faculdade, por exemplo, é integral, além do trabalho. Os ensaios e cursos eu procuro fazê-los nos finais de semana para não atrapalhar nenhuma tarefa. A gente sempre dá um jeitinho na agenda para fazer ciência e arte”, conta o estudante.

A pergunta que não quer calar: arte ou ciência? Atualmente, os planos do estudante estão passando por mudanças. O seu maior medo era que acontecesse o que mais ouvia: "Vai morrer de fome, não tem emprego para ator", mas conforme foi amadurecendo começou a prestar mais atenção ao seu redor e percebeu que amigos biólogos, formados, com mestrado estão também desempregados. Até as profissões mais certas que diz respeito a estabilidade financeira se encontram no mesmo eixo.“Ou seja, o desemprego, o ‘morrer de fome’ pode acontecer com qualquer um, em qualquer área. Mas se você faz o que ama, se dedica, faz com amor e mesmo com a exaustão se alegra, sua chance de crescer é bem maior do que fazer algo somente para ter a tal estabilidade. Hoje eu tenho lutado contra todos esses ‘medos’ e buscado aquilo que realmente eu amo”, destaca.


É possível viver da arte?



Espetáculo Peter Pan com direção e atuação de Rodrigo Gomes, como Capitão Gancho. 


Nascido e criado em meio artístico, irmãos e tios são referências do pagode dos anos 90 que agitam as festas até hoje. Rodrigo Gomes, 23 anos, morador da zona norte do Rio de Janeiro, iniciou sua carreira ainda na infância fazendo participações em comerciais e desfiles kids, mas seu coração sempre bateu mais forte pelos palcos. “Desde criança sempre foquei nos palcos e ainda hoje não me vejo fazendo outra coisa. Aos 15 anos entrei para o curso livre de teatro no qual me descobri e me encontrei como ser humano e profissional”, conta o suburbano.

Com a decisão de dedicar-se somente ao teatro, muitos atores se deparam com represálias, mas Rodrigo afirma que não deu atenção aos julgamentos. Mais uma vez a questão de estabilidade financeira coloca em cheque a decisão de tentar viver da arte. Quando se está em uma cia teatral pequena os valores arrecadados são muito inferiores que o valor gasto pela equipe para realizar o projeto.  “Hoje sou diretor geral da uma companhia de teatro e meu intuito é produzir espetáculos para o povo, o retorno financeiro vem no decorrer do trabalho”, disse.

Além da preocupação com os espetáculos e os estudos, Rodrigo não abre mão de realizar ações solidárias através da arte. “O dia que perder essa essência, pode ter certeza que perdi a mesma vontade de fazer arte por amor!”, declara. Com os musicais e peças em cartaz, ele e a trupe tentam levar uma mensagem positiva e repleta de conteúdo. Essas ações são colocadas em práticas em ONGs e creches parceiras pelo menos uma vez por semestre.  Não se trata de uma obrigação, é feito de coração para suprir os déficits sociais.

Quando questionado sobre a cor de sua pele tê-lo atrapalhado alguma vez, ele afirma categoricamente que “Me orgulho em ser um negro referência para quem está chegando no mundo artístico, sempre fui líder e isso me deixa feliz saber que sou espelho”.
Mesmo com as contrariedades sociais e econômicas, Rodrigo Gomes afirma: “Se você me perguntar o que eu quero daqui há 20 anos, vou responder que é fazer a minha arte”.

Reprodução/Instagram
Everton diz que se pudesse deixar uma mensagem em cada palco desse mundo, com certeza seria esta:  “Digo para aqueles que estão começando na arte agora: dediquem-se! Ao verificarem que é isso que vocês amam, seja em qual arte for corram atrás, não abandonem seus sonhos, nem deixem que outras pessoas te desanimem, pois tem pessoas que simplesmente não entendem o quão belo e prazeroso é para quem faz arte”, finaliza.

Muito mais do que holofotes, dinheiro e fama, os artistas querem reconhecimento e almejam ver suas criações serem valorizadas dentro da cultura.


Comentários

  1. Olá, meninas, deixa eu fazer algumas observações:
    "Escolher viver dos palcos não te dá garantias" Muito informal, parece que você está conversando com o leitor, e o resto do texto está na terceira pessoa. Não vamos misturar as vozes. A foto que abre a sua reportagem é uma reprodução de onde? É preciso colocar a fonte. Gostei dos personagens, bem emblemáticos e representativos em relação ao seu tema, mas senti falta de especialistas. Gestores da Cultura. Você tem até um, o Diretor do sindicato, mas teve sua fala no discurso indireto, nem no direto, passou um pouco despercebido. Senti falta dos artistas populares também, já que a sua matéria fala sobre eles.
    Enfim...está bem escrita. Colocar a agenda cultural foi uma boa.
    A nota de vocês foi 8,0. Obrigada.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A influência da mídia nos padrões estéticos

A Realidade das Categorias de Base

O ressurgimento dos discos de vinil