O ressurgimento dos discos de vinil




Bruno Herdy, dono da Toca do Vinil.
Por: Gabriel de Lima e Samuel Oliveira

Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu com grandes novidades. “O tempo não para”, já cantava o poeta Cazuza. E com o passar dos tempos muitas coisas mudaram, evoluíram ou deixaram de existir. O que era tendência ou moda, hoje já não é mais. A tecnologia avançou, vivemos na era digital. Mas, para toda a regra existe uma exceção, ás vezes é possível se deparar com uma novidade, justamente, olhando para o passado. E é exatamente isso que acontece com os discos de vinil, os LPs e famosos “bolachões”.

Não existem motivos econômicos por trás desse retorno dos vinis ao mercado. O certo é que nostalgia não tem preço. Os LPs e os compactos estão voltando às prateleiras das lojas com espaço para a música, e a procura pelos discos atinge um público de diferentes idades e gerações.

 "A Toca do Vinil sempre trabalhou com discos, mas houve um certo “boom” uns quatro, cinco anos atrás. O pessoal começou a procurar mais. Um pessoal de todas as idades.  O nosso público vai dos 12 aos 80 anos de idade. Eles procuram MPB, Jazz, Rock in Roll, Heavy Metal e o mercado. Nesses últimos anos, mudou muito”, disse Bruno Herdy, dono da tradicional loja “Toca do Vinil”, que funciona há 14 anos em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

 A loja vende discos, CDs, DVDs, Blu-ray, fitas cassetes, quadrinhos e livros, além de ser um ponto onde as pessoas podem realizar trocas, levando seus vinis e trocando por outros. Um bom lugar para quem procura uma boa conversa e que deseja trocar ou adquirir seu vinil.

Vivemos na era digital e, certamente, todo esse avanço também atingiu o mercado fonográfico. O LP cedeu espaço ao Compact Disc, que anos mais tarde, perderia seu espaço para o MP3. Hoje a maioria das pessoas tem suas músicas e álbuns disponíveis ao alcance de suas mãos, dentro do seu bolso, tudo armazenado dentro de um aparelho de celular com MP3. Talvez, por isso essa volta dos vinis seja tão inesperada, tão inexplicável, e surpreenda tanto.

Carlinhos exibe alguns dos seus discos prediletos.

Paixão, romantismo, nostalgia e saudosismo são alguns dos tantos termos que ajudam a explicar esse retorno e o amor pelos tradicionais discos de vinil. Luis Carlos, de 45 anos, é produtor musical, produtor de eventos, músico, estudante de jornalismo e um exímio colecionador e apaixonado por vinis, ele se empolga ao falar de sua paixão.

Adoro vinil, ainda é meu formato preferido, porém, não sou tão saudosista assim. Acho que esse interesse por produzirem vinis novamente se deve ao fato de que muitos desses produtores também são apaixonados pelo formato e que viram um nicho de consumidores muito bom, porém, acho que essas produções estão saindo caras demais. Já vi discos que nem são raros ou que sequer possuem algum atrativo custando o “olho da cara”, quando você ainda é capaz de encontrá-los originalmente e por um preço acessível. Não acho muito justo essa comercialização em cima dos vinis, para mim o negócio está meio ambicioso demais. Eu cresci em uma geração que se consumia mais material do que hoje, afinal, nem existia música na internet, download, nada disso. Era mais difícil de se encontrar certos discos e só conseguia mesmo quem tinha um bom poder aquisitivo para importar. O lance era colocar para ouvir, ficar lendo as letras, admirando as artes gráficas dos discos. Era meio que uma terapia, um ritual fazer aquilo. Bem, acho que para mim e para muitos que gostam ainda seja isso. Não tenho nada contra CD, também curto e coleciono, mas, a parte gráfica perdeu muito por causa do tamanho”, diz Luis.

Carlinhos, como é popularmente conhecido no meio da música, diz possuir tantos vinis que já perdeu a conta de quantos possui.

Perdi a conta, mas também parei de contar. Acho que acima de tudo é importante que a coleção não seja pelos números, mas pela qualidade. Conheço meia dúzia de idiotas que dizem ter uma porção de vinis, mas na verdade metade delas é uma porcaria que sequer ouve. O idiota tem só para fazer número”, cita Carlinhos.

O produtor musical consegue citar seus discos favoritos.

Acho que de alguma forma todos são, mas certamente existem aqueles que acabam se tornando especiais pela raridade. Os discos “Paranoid” e o “Vol.4” do Sabbath em formato original e com selo da Vertigo seriam alguns deles.” Para Carlinhos, a paixão e o romantismo são os sentimentos que definem bem sua ligação com os LPs, mas para ele o preço alto atrapalha e distancia novos consumidores: “Paixão e romantismo. Acho que saudosismo e nostalgia são bacanas até um certo limite, porque acho que a gente tem que viver para frente também. Claro que valorizar os vinis assim como todo um passado é importante, afinal, esquecer o passado é negar suas próprias raízes. Sendo assim, é claro que eu espero que os vinis nunca saiam de mercado e que continuem produzindo, mas como falei antes, acho que estão muito caros ainda. Se ele também tem sido uma forma de combater a pirataria, cobrando esse pereço não vai ajudar muito. Longa vida ao vinil”, finaliza o produtor musical.

Os clássicos do rock tem lugar especial na coleção de Tcheco.

A paixão pelos discos atinge a todas as idades e Jefferson Tcheco, de 27 anos, é mais um amante do formato e grande colecionador.

“Minha paixão pelo vinil veio do meu pai que tinha sua coleção. Só depois de velho eu comecei minha coleção. Curto todas as formas de mídia, mas a diferença para o vinil está no sentimento”, conclui Jefferson.

O vinil, de fato, vive um renascimento. Só no ano passado foram vendidos 17,2 milhões de unidades nos EUA. Por conta dessa alta no mercado e a eminente procura, muitas fábricas, antes desativadas, voltaram a reabrir suas portas. Um grande exemplo internacional é a fabricação realizada pela SONY. A Polysom, fábrica de discos localizada na Baixada Fluminense do Rio de janeiro é um outro exemplo. Além de peculiaridades próprias, o som e a maneira de se consumir música por meio de um vinil é o que faz dessa experiência algo único. Alexsandro de Souza, o Leco Batera, de 43 anos, é músico e dono de um estúdio onde se realizam gravações. Ele explica um pouco o processo de gravação e diz porque acha o vinil algo tão especial.

“O processo antigo de gravação do vinil é algo bem diferente do que acontece hoje em dia na era digital. O processo era todo manual e analógico, todo na mesa, gravado em fitas de rolo. Você pega alguns discos antigos e nota algumas falhas de mixagem, de masterização. Mas o som é maravilhoso (risos). Você ouve os detalhes, é como se a banda estivesse tocando ali ao vivo para você. Isso se perdeu bastante com a chegada do digital. O vinil entrega um som real. Mas hoje o vinil mudou. A sonoridade de hoje é bem diferente da antiga. Hoje o vinil é mixado e masterizado no digital. Depois é gravado e prensado no disco. Hoje o som é bem melhor, mais limpo. Mas, o som autêntico do vinil é aquele que ficou lá atrás”, diz Leco.
Os "brinquedos" de Raphael Firmino.

Mas, engana-se quem pensa que o vinil é exclusividade de bandas e artistas mais antigos, e que vive apenas de relançamentos de discos passados. Artistas e bandas atuais como Metallica, Coldplay, Pitty, Paulo Miklos, Ratos de Porão, Velho, Foo Fighters, entre outros, voltaram a lançar seus novos trabalhos no formato de vinil e compacto. E um exemplo de músico que gravou seu material no formato de vinil é Raphael Firmino. Firmino é músico e compositor, e por amar tanto o formato, resolveu gravar seu single em um vinil.

“Era um sonho de criança. Fui uma pessoa que cresceu ouvindo e comprando vinis, logo depois virou músico pela força das circunstâncias. A primeira coisa que veio em minha cabeça, naturalmente, seria gravar um vinil. E quando houve a oportunidade em uma fábrica em São Paulo, eu não perdi tempo, fui lá e produzi minhas cópias”, explica Firmino, de forma empolgada.

Raphael Firmino e seu LP.
O compacto gravado por Raphael não é no formato tradicional. Ele é quadrado, diferente dos mais comuns, feito em plástico transparente. Mas, as diferenças entre ele e um vinil comum param por aí. Firmino também é um colecionador de LPs e compactos e o mesmo já afirma ter perdido as contas de quantos tem. Ele afirma que tem aproximadamente 2 mil discos entre LPs e compactos. Apaixonado por música, o fã de Beatles vibra com a volta dos bolachões para o mercado:

“As livrarias estão colocando os discos à venda de novo, isso é muito interessante. É uma outra opção para as pessoas ouvirem música, que não seja apenas o CD e o MP3. Não que essas outras mídias não sejam importantes, mas é uma nova velha maneira de se consumir música”, finalizou, aos risos, o músico.

De formato ultrapassado para se consumir música, artigo para colecionadores saudosistas, objeto de enfeite na sala dos nossos avôs e coisa do passado, o vinil voltou a ser uma excelente forma e opção para de se ouvir, consumir ou até vender as antiguidades. Os discos estão retomando seu espaço nas prateleiras das lojas, na estante da casa, fazendo a velha e empoeirada ou as novas vitrolas funcionarem, reproduzindo de maneira analógica um som peculiar que só o vinil é capaz de proporcionar. Com algumas capas que são verdadeiras obras de arte, ricas em detalhes e cores, com encartes trazendo as letras e diversas informações, o LP está longe de ser considerado coisa do passado ou artigo para saudosista, e vai conquistando novos fãs e adeptos pelo mundo inteiro que fazem do ato de se consumir música, através de um disco de vinil e uma vitrola, um verdadeiro ritual litúrgico que faz bem para o coração, para a alma e para os ouvidos.




Desaparecimento da mídia física
Na contramão ao que acontece com o vinil, com esse ressurgimento e sua alta no mercado fonográfico, um tanto quanto inesperada, o popular CD está em baixa e a procura pelo formato está cada vez menor. Há 35 anos no mercado, o formato que explodiu no fim da década de 80, início da década de 90, chega a quase 4 décadas sem muito o que comemorar. Seu futuro no mercado é incerto.
Com o avanço da internet, a propagação da pirataria e o hiato de jeitos e formas se consumir música, o CD veio perdendo seu espaço e sua força no mercado sonoro. 
“De 2012 pra cá, segundo a pesquisa da RIAA (Recording Industry Association of America), uma instituição nos EUA que controlam o balanço das vendas e números do mercado fonográfico, a venda de CDs vem caindo, pelo menos, 20% ao ano.”, afirma Raphael Firmino.

Com a volta dos vinis, fábricas voltam a produzir os discos
Com a volta dos vinis ao mercado, com artistas lançando seus trabalhos no formato e com a procura pelos discos cada vez maior, fábricas, antes desativadas, voltam a funcionar e a produzir os discos. Um exemplo disso é a Polysom, fábrica localizada em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro. A empresa era a única fábrica a produzir os discos entre os anos de 1999 e 2007 em toda a América Latina. Devido a dificuldades financeiras, no ano de 2007, seus antigos proprietários foram obrigados a fechar as portas. Devido a alta do vinil no mercado americano e a eminente procura pelas gravadoras, artistas e consumidores, a Deckdisc , uma gravadora brasileira independente, adquiriu todo o maquinário da fábrica em abril de 2009. Realizaram uma grande obra de reforma no local. Todos os equipamentos foram zerados e totalmente remontados, e após 9 meses de intensos trabalhos, a fábrica já produzia seus discos com uma boa qualidade.
Atualmente, a Polysom tem capacidade para produzir 28 mil LPs e 14 mil compactos por mês. Até 2011, era a única fábrica de vinil em pleno funcionamento na América Latina. Perdeu essa condição com a abertura da Media4Music em São Paulo. Atualmente são as duas únicas grandes fábricas atuando no território nacional. 

Comentários

  1. Muito legal a reportagem! Adorei o vídeo com o vinil!!! Muito bom, bem escrita com boas fontes. Gostei muito!!! Consegui fazer a correção antes de publicar. Parabéns.
    Nota : 10 f

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