Assédio no consultório de psicologia: o outro lado da vulnerabilidade

Por Allan Borba

Já tem algum tempo que os noticiários trazem histórias de assédio sexual. Em sua maioria cometidos por homens, os abusos chocam pelo teor agressivo e gráfico dos ataques. Seja em transportes públicos ou dentro dos estúdios e mansões luxuosas espalhados por Hollywood, os casos costumam ter algo em comum: o abusador, dotado de poder – físico, psicológico ou hierárquico –, se aproveita da vulnerabilidade da vítima.

O cenário se repete em consultórios médicos ou de psicologia, onde os profissionais, muitas vezes, têm “acesso” ao corpo do paciente ou outras formas de deixa-lo ainda mais exposto aos seus avanços. Mas, e quando essa vulnerabilidade faz com que o outro lado se transforme em abusador?

O outro lado da moeda

Não há dados concretos sobre casos, mas o abuso sofrido por psicólogos em relação a seus pacientes é um fato. “Geralmente, as pessoas pensam que o abuso vem somente do profissional para o paciente. Porém, dentro de um consultório psicoterápico, o paciente está vulnerável, carente, solitário e, ao receber atenção e acolhimento, com a certeza que ficará entre quatro paredes, ele talvez se sinta à vontade para manifestar várias questões”, afirma a psicóloga clínica Regina Mendes.

A psicóloga ressalta que esses comportamentos podem ser fruto de uma ilusão causada pela atenção recebida dentro do consultório. A falta de afeto ou algum outro motivo que o levou a procurar esse tipo de profissional, algumas vezes, funcionam como gatilho para situações como essas.

Regina passou por dois casos. O primeiro envolvendo um indivíduo, do sexo masculino, mais novo. O outro caso relatado envolve uma paciente alguns anos mais velha. “Ele começou relatando fatos de sua suposta namorada, mais velha, contando nos mínimos detalhes. No início, ele levou cartinhas sensuais e com desejos sexuais. Lia para mim com os olhos brilhando e lambendo os lábios”, conta. “Depois chegando a se masturbar olhando fixamente para mim e, às vezes, tentando chegar mais perto”.


A melhor forma de se lidar com esse tipo de situação, segundo a especialista, é mantendo a calma e o profissionalismo. Na maioria dos casos, quando não há mais condições de continuar os encontros, o procedimento é mostrar o ocorrido para o paciente e encaminhá-lo para que outro profissional continue o seu tratamento.

O problema, ao contrário do que pode parecer, pode vir de dentro para fora, independente das condições sociais nos quais o indivíduo está inserido. “Não consigo ver isso como fruto de um problema social, e sim como fruto de um problema comportamental onde o paciente está entre quatro paredes, vulnerável, sendo ouvido e acolhido. Aí a mente humana viaja”, afirma a psicóloga.

Freud explica

Esse fenômeno, mesmo que em casos menos extremos, não é novo. A também psicóloga clínica Monique Gondin conta que o famoso psicanalista Sigmund Freud já havia identificado ocorrências desse tipo em seus estudos. “Esse é um processo natural que pode acontecer no processo terapêutico, que Freud chamou de transferência”, explica. Normalmente os casos não se estendem para fora do consultório, mas Gondin relata que já vivenciou uma situação mais complicada. “Eu só tive um caso que essa transferência não ficou só no consultório. O paciente insistia em mandar mensagens nos fins de semana me convidando para sair. Todas essas mensagens não eram respondidas e eram conversadas em suas sessões. Esse paciente tinha 32 anos na época e, infelizmente, não continuou ao tratamento”, conta.

Nesses casos, o paciente cria um laço afetivo com uma imagem do terapeuta que não é real, mas sim, em primeiro lugar, induzido pela situação de análise. A resistência pode agravar o quadro, levando o paciente a um amor neurótico, uma vez que este se torna impossível.

Gondin alerta, no entanto, que esse processo pode ser fundamental para o sucesso ou falha do tratamento. “Na transferência, o paciente repete com o terapeuta amores e os problemas de relacionamento que já enfrentou ao longo da vida. Esse fenômeno também é uma resistência ao tratamento e um processo de cura, por isso precisa ser manipulado pelo analista, que não pode envolver seus próprios sentimentos em questão”. Cabe ao profissional, então, saber usar a situação a seu favor e utilizar os insights dos pacientes. “O que não pode ser esquecido pelo psicólogo é que todos que o procuram estão com problemas, e todo o comportamento do paciente são pistas e material de análise para poder ajudá-lo”, completa.

Comentários

  1. Oi Allan,
    A matéria ficou curta para o modelo de grande reportagem online visto no curso. Os hiperlinks te levam para outros veículos de comunicação e com isso você fortalece a concorrência, mandando o seu internauta ler reportagem no jornal Extra. Os hiperlinks externos deveria levar os leitores para matérias, dados, pesquisas, comprovações de apuração. Nenhum paciente que tenha feito a transferência? Seria interessante trazer esse lado também. Nenhuma comprovação estatística mostrando o quanto isso é normal? Nenhum conselho ouvido? Enfim, faltou um pouco mais de apuração.
    Nota: 6,0

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